quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O desespero

Cícera Azevedo

Março de 2008. A vida policial é gratificante por vários motivos e o principal deles é o contato com os problemas que afligem a uma parcela considerável da sociedade – a comunidade carente e esquecida. Estava em minhas operações policiais de rotina no Bairro Bruno Barcelar quando ouvir pelo rádio que um rapaz tinha tentado se suicidar. De imediato desloquei-me para o local. Durante o deslocamento foram feitos alguns comentários sobre o que poderia ter levado uma pessoa a tentar o suicídio. Vários foram as opções, como problemas afetivos a consumo de drogas.
A casa estava localizada no alto do Bruno, onde estão as famílias mais carentes; iluminação precária e o piso da rua de terra batida. Fazia frio, apesar de estarmos em março, e já passava das cinco horas da tarde. Na entrada da casa, se é que podemos chamar de casa uma vez que a estrutura lembrara mais um barraco, muitos curiosos e entre estes estavam os vizinhos e parentes. A residência era muito pequena, a entrada era pela cozinha onde poderia visualizar todos os cômodos - um quarto, uma sala e um corredor que os ligavam. Quando adentrei à residência fui surpreendida com um suicídio e não com uma tentativa do mesmo. Imagem muito forte! Espiritualmente e mentalmente já tinha desenhado a cena do ocorrido. Não demorou muito de o serviço médico chegar, só restando a comprovação do óbito. O local foi isolado para a perícia trabalhar por que outras possibilidades poderia ter ocorrido, a exemplo de um homicídio; mas nesse caso em especifico foi comprovado o suicídio. Restava-nos, eu e as equipes envolvidas, colher informações que pudessem elucidar o fato. Alex, o suicida, tinha 22 anos, pai de quatro filhos e desempregado; durante o dia ele costumava ir à feira no final da tarde, não para comprar, mas para recolher as melhores frutas e verduras no lixo, descartadas pelos feirantes. Há algum tempo ele e sua esposa Alice vinham procurando emprego nos mais diversos setores, nada conseguiam. Nesse dia Alice foi levar a filha caçula à creche, pois era o aniversário de um ano da menina e passou a tarde toda por lá. Alex tinha ficado em casa concertando o piso do quarto e que foi deixado pela metade. Estávamos todos na casa de Alice quando ela chegou por volta das cinco e trinta com os filhos e um pedaço de bolo que seria entregue a Alex. Como comandante do policiamento envolvido me coube a função de informar a família do ocorrido, momento delicado para uma mulher que teria sido “abandonada” pelo esposo com quatro filhos. Pelo o que foi levantado Alex teria cometido esse ato em um momento de desespero, pois a família passa necessidades.
Sobre os comentários, no inicio da narrativa, a cerca das causas do cometimento desse ato não acertamos. Essa atitude compreensiva, mas não louvável é o reflexo das injustiças sociais e do descaso com os marginalizados.

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